sábado, 28 de março de 2009

Venenosa dualidade



Desde que Ella sabia sempre havia sido duas, acreditava que tudo começara mesmo no começo, a partir do momento que o elemento macho fundiu-se com o elemento fêmea, originando o ser que era Ella e a Outra, como a chamava.

Nunca conseguira mais do que apenas alguns instantes de posse do seu corpo, a Outra era quem o dominava a maior parte do tempo, e isto a enfurecia.

Havia aprendido a viver com a Outra, mas nunca aceitado, nunca conformou-se por ter o ser corpo dominado por um ser tão confuso e covarde.

A Outra tinha medo de tudo, inclusive do próprio medo, e se anulava, obrigando Ella a ser mais um misero mortal, quando tinha nascido para muito mais do que isso.

Quando era pequena, conseguia a dominar com mais facilidade, a sua alma infantil era mais corajosa, e Ella semeou sonhos gigantes no intimo dos dois seres, quando o corpo falava, era a voz de Ella que brotava de sua garganta, mas com o passar do tempo, conforme a Outra foi crescendo e se desiludindo com a vida, Ella perdeu a voz, não passava de uma vozinha atormentada a viver aprisionada no âmago de um ser covarde.

A Outra sempre tentava encontrar uma desculpa para enganar uma Ella com ânsia de viver, interiorizava que a culpa não era dela, mas sim do mundo e das pessoas que não a deixavam conquistar os seus sonhos, de tanto ouvir estas desculpas, Ella limitava-se a não ouvir a voz de sua carcereira.

Ella sofria...amaldiçoava os Deuses por a terem aprisionado justo naquele corpo, amaldiçoava-se por não aceitar menos do que aquilo que desejava, por não aceitar o que a Outra lhe dava, e principalmente por não conseguir viver em paz com a sua outra metade.

Entretanto a Outra também não era feliz, aquela Ella esmagada dentro do seu peito era como um alfinete entranhado no seu pé, ela caminhava, mas a dor estava lá.

Não conseguia lutar contra a sua forma de ser, não conseguia ter a coragem que Ella tinha, e sentia-se culpada por ter medo de lutar pelos seus sonhos, os sonhos das duas...

Foi quando a Outra decidiu morrer, pensara que se simplesmente desaparecesse finalmente Ella poderia assumir o controlo do seu corpo, e mesmo não estando mais ali para o ver triunfar, só a certeza de saber que sua prisioneira seria feliz juntamente com o seu corpo, a fazia sentir-se completa.

Ella não aceitou sua decisão, descobriu que amava sua carcereira, que a Outra também era Ella, e Ella também era a Outra, e daquela venenosa dualidade nasceria um terceiro ser, metade Ella, metade Outra, um ser de Luz, algo que nenhuma das duas jamais pensou vir a transformar-se.

quarta-feira, 25 de março de 2009

I love Lx

Ponte 25 de abril, Lisboa, Meu pedacinho de São Francisco...

O melhor da primavera é saber que o verão está quase a bater na porta...

Nasci numa cidade grande, estou acostumada a viver no meio do caos de um transito infernal, de pessoas a correr de um lado para o outro sempre a olhar para o relógio, mãos stressadas caindo violentamente em cima de buzinas barulhentas, e muita, muita agitação...

E quando fiz 18 anos mudei para outra cidade barulhenta e movimentada, Lisboa, e me apaixonei, adoro Lisboa, os engarrafamentos, os policiais de transito mal humorados que nunca dão uma informação precisa, o Metro sobre lotado com barulhinho de "cena da banheira do filme Psicose", as esplanadas sem lugar para sentar com uma nuvem de fumaça de cigarro pairando em cima das cabeças vitoriosas de gente que conseguiu um lugar para sentar e beber um cafésinho, os mil posteres colados nos muros da cidade, sempre a anunciar um evento interessante, ou não...

Enfim, adoro uma cidade que está sempre viva, onde num dia que você acorde de madrugada numa crise de insónia, você tenha como opção ir para um barsinho no meio de um bairro histórico, beber um copo, ouvindo um bom Jazz, ou um reggae de raiz, ou ainda melhor uma velha e boa MPB, e não músicas insuportáveis onde só se ouve acordes eletronicos, ou frases como "everybody in the house put hands up", na boa, eu gosto das minhas mãos agarradas a um bom e belo copo de cervejinha gelada.

Eu amo o Algarve, amo abrir a janela e ter o Mar como meu vizinho, amo andar na rua e ver paisagens de cortar a respiração, mas meu Deus, esta cidade só parece ganhar vida no verão, nas restantes estações mas parece ser uma cidade fantasma...

Sinto falta de ter opções de coisas para fazer, mesmo quando não me apetece fazer nada, de sair a noite e ver grupinhos de jovens, e não só, reunidos a conversar trivialidades, dos Teatros cheios de gente a entrar e sempre com cartazes de peças novas, de eventos e mais eventos, de cultura e mais cultura, de movimento...muito movimento...

Cheguei a conclusão de que não nasci para ser "zen", e sinceramente aquela expressão "um amor e uma cabana"..., bem a minha versão preferida acho que seria "um amor e um T1, apertado e antigo, em Lx".

E ontem eu passei um dia inteiro presa no meio de um engarrafamento em Lisboa, com montes de ruas fechadas para obras, policiais mal educados que nos mandam voltar para atrás para aprender não cometer inflações, motoristas stressados que literalmente jogam o carro em cima de nós, buzinadas barulhentas por você demorar a perceber que o sinal está verde, pessoas apressadas que dão encontrões nas outras, e não pedem desculpas, um GPS louco que não sabe a diferença de "direita e esquerda", um shopping lotado, com o aquecimento ligado no máximo num dia de muito, muito calor, e finalmente, uma esplanada fresquinha com vista para o Parque das Nações numa tarde nublada, adivinhem? foi o meu melhor dia do ano...

quarta-feira, 18 de março de 2009

Enjoadinho

Não faz assim com o meu coração pois ele não é de pedra não.
Joga fora as tuas palavras duras ou meu coração jamais se cura.
Não me olhe com olhos de torturador, quando a minha alma só quer o teu calor.
Me deixa os teus lábios provar ou para sempre vou divagar.
Não preciso de um cavalheiro de armadura brilhante mas sim de uma onda selvagem que me levante.
Brilhar no mais alto dos céus por toda a eternidade, não temer nenhuma maldade.
Viver de palavras simples, num paraíso sem limites.
Os dados já foram lançados, só falta te ter ao meu lado.
*Rimas de criança para expressar o coração de quem nunca se cansa.


terça-feira, 17 de março de 2009

Sobre o amor, a liberdade e outras verdades...


"Amo a liberdade, por isso deixo as coisas que amo livres..Se elas voltarem é porque as conquistei. Se não voltarem é porque nunca as possuí."

John Lennon


Todo mundo, ao menos os que tem a sensibilidade desperta, já teve, ou tem, um animalsinho de estimação que era, ou é, muito mais do que um animalsinho de estimação...

Os meus bichinhos preferidos sempre foram os gatos, não que eu não goste de cães, periquitos, peixes e afins, só que sempre tive um carinho especial por felinos...

E no meio de "Lorenços", "Carminas Buranas", "Mozarts", "Alemães", e muito em particular um "Pacey", na minha vida surgiu um "Bowl", que coitado foi baptizado por esse nome sem graça numa das minhas tentativas, frustradas, de ser engraçada.

Quando eu o vi pela primeira vez, era uma coisinha feia sem graça, doentinho e cheio de expectoração no focinho, o meu primeiro pensamento foi: "Fogo, escolhi o gato errado", mas tal era a minha ânsia de voltar a ter um gatinho a brincar pela casa, que o enrolei na toalha suja, oferecida pela sua ex dona, e o levei para casa.

Uma das primeiras coisas que me cativou nele era o facto dele ser extremamente carinhoso, dormia sempre comigo, pois eu tinha medo que a sua constipação piorasse, estava muito frio, e todos os dias seguia o enfadonho ritual de o medicar, completamente contra a sua vontade.

Foi crescendo um desespero interno de o perder, ele não melhorava, e toda vez que dava um espirro, eu nunca tinha visto um gato espirrar, meus olhos enchiam-se de lágrimas e meu coração ficava apertado.

Sentia um desejo enorme de espancar a sua ex dona, por o ter colocado para dormir no quintal de casa, quando ele era tão pequenino e indefeso, e fazia tanto frio lá fora...

O tempo passou e ele transformou-se num gato lindo e saudável, o bichinho mais carinhoso que alguma vez tive, seguia sempre os meus passos pela casa, e a noite esquentava os meus pés e embalava o meu sono com o seu ronronar alegre, dizem que o gato ronrona quando está feliz, o meu está sempre feliz...

O meu amor cresceu, cresceu, e as vezes eu me pego a olhar para ele e não sei se sou grande o suficiente para tanto amor ainda em crescimento...

Só a ideia de o perder, me apavora tanto que tenho vontade de chorar para sempre...

Mas a maior particularidade dos gatos e justamente ser livre, e chegou o momento em que estar dentro de casa já não o faz tão feliz, e sinto-me um carcereiro cruel quando o observo sentado em cima da máquina de lavar a olhar pela janela com uma expressão melancólica...

Outro dia estava num café, e reparei num panfleto colado a parede com a foto de um gatinho pequeno, e um pedido desesperado: "Por favor se alguém o encontrar devolva-o, é mais que um animal de estimação, é o meu melhor amigo", aquilo me doeu tanto que passei o dia inteiro ansiosa para chegar em casa e verificar que o meu bebe estava a salvo das pessoas cruéis que levam os melhores amigos de alguém, ou que simplesmente os ceifam a vida com as suas máquinas de quatro rodas...

Tenho formulado planos para o manter dentro de casa, seguro e feliz, mas tenho sido derrotada em todos eles...

E já há duas noites seguidas eu chego em casa, e como sempre a primeira coisa que faço é o chamar, e ele não estava...

Na primeira noite, o procurei por toda a parte, e tranquilizei meu coração com a ideia de que ele estaria a dormir no quarto dos meus tios, não dormi nada, levantei na primeira hora a sua procura, e ele apareceu com o seu habitual olhar meigo a acalmar as lágrimas que já me surgiam nos olhos...

E es que ontem foi a segunda noite, não consegui tranquilizar meu coração, tive pesadelos a noite toda, sonhei que tinha as mãos enrugadas e estava num orfanato a tentar adoptar uma criança, raio do instinto materno...

Pela manhã...vinha ele com o mesmo olhar meigo...mas depois os meus companheiros de casa contaram-me a verdade, ele não tinha dormido em casa nestes dois dias...meu coração parou, só me veio uma coisa a mente: "vou perde-lo"...

O coloquei no meu ombro, como uma mãe coloca um bebe, e o abracei, pedi baixinho no seu ouvido, eu sei que ele não me entende, não sou louca, que por favor não fosse embora...

E agora estou eu aqui sentada, ao observa-lo a dormir, com a sua carinha tão amada, e a pedir a Deus que não o deixe ir embora, não vou suportar...

Sinto-me culpada, estou a tirar o seu maior instinto, o de ser livre, mas como posso eu negar o meu maior instinto, o de amar incondicionalmente, mesmo que seja só um animalsinho de estimação?

Não encontro resposta para o meu enigma, se alguma alma iluminada neste mundo de Deus, souber a resposta...por favor não hesite em me segredar...

domingo, 15 de março de 2009

Palavras para ninguém


Te escondes por trás de uma mascara de indiferença, mas eu consigo enxergar a tua essência...

Teus olhos transparecem o Oceano que há em ti, e nem mesmo a tua sequência de ondas parvas, consegue tirar o teu brilho.

Assusta-me o facto do Destino ter te posto no meu caminho, pois a tua verdadeira grandeza enlouquece a minha alma com interrogações.

És um Vampiro sugador de emoções, e a tua sede me fascina, me atrai...quando, por norma, deveria sentir-me apavorada...

sábado, 14 de março de 2009

Lua negra




Mergulhei na noite escura, como se estivesse a cair nos seus braços...

Aninhei-me as estrelas, como que a espera de sentir o teu calor...

Por um instante tudo estava em paz...

Sentia o teu hálito quente na minha nuca, desejei ardentemente que aquele momento durasse toda a eternidade...

Podia sentir-te em cada minúsculo pedaço do meu corpo, minha pele estava impregnada com o teu odor, não conseguia lembrar de nenhum outro tempo em que a felicidade estivesse tão presente em mim...

Estar ao teu lado, junto a ti...era o maior, e mais valioso, de todos os tesouros da Terra...

A lua invejou o nosso encontro, a nossa entrega...e ficou sombria...

Fui arrancada abruptamente dos teus braços, e quando acordei tudo o que me restava era a tua imagem na minha memória...

Fui condenada a toda uma existência longe de ti...

Onde estas? Quem roubou o meu pedaço do céu?

quarta-feira, 4 de março de 2009

"Metamorfose"


"O vento gelado batia na minha face...bagunçava os meus cabelos...castigava o meu corpo...não importava...

Sob os meus pés, a cidade tinha um brilho sedutor...mas...os meus olhos focavam outro caminho...

Emergi das profundezas de um Mar negro e agora voava...já não nadava as cegas...eu voava com um destino...

Nada importava, nem o vento gelado a congelar o meu corpo, ainda molhado da água do Mar, nem os vários pontos de luz a cintilar naquela noite escura a tentar me distrair do meu destino...

Os meus olhos haviam contemplado a verdadeira Luz, e eu voava em sua direcção...

Sem receber nenhuma ordem o meu corpo parou, simplesmente planava no ar... chegara em casa...

Não havia Luz mais brilhante que aquela...e eu mergulhei...como outrora mergulhava no Mar, sentia o meu corpo a cair no ar, o vento ungia nos meus ouvidos, mas eu não tinha medo, aliás nem sabia mais o que era ter medo...

O meu corpo fundiu-se a Luz, como se nunca tivesse sido meu, como se nunca tivesse sido qualquer outra coisa que não parte dela...

Da minha pele surgiram raios tão quentes como o sol...e eu sorria...a minha alma sorria de satisfação pois finalmente havia chegado a superfície...

...Eu que outrora era somente "um", agora tinha o Universo em mim...era Mar, era Vento, era Sol, era Terra, e o mais importante de tudo...finalmente havia descoberto o quinto elemento...

Sou um peixe com asas...a bailar nas ondas do Mar azul..."

Sonho da noite de 03 de março...