Pelo direito de verbalizar
Em tempos eu morei com uma parente que tem quase a mesma idade que eu, nós praticamente crescemos juntas, e nos conhecíamos, pensava eu, melhor do que ninguém.
Esta pessoa tinha como hábito, derrepente do nada parar de falar comigo, ela simplesmente ignorava a minha presença, era como se eu não estivesse ali na frente dela, e eu sempre fazia uma vistoria na minha mente pra tentar entender o que eu tinha feito para a deixar com tanta raiva, a situação as vezes durava dias e as vezes até semanas, como, apesar de ser um pouco rabugenta as vezes, fui abençoada,(?), com uma natureza pacifica, nunca aguentava a situação e ia ter com ela e perguntava o que eu tinha feito de mal.
As respostas eram sempre absurdas, “você foi a ultima a usar a casa de banho e não repôs o papel higiénico”, “bebeu água a noite e deixou o copo em cima da mesa da sala”, “andou com os chinelos que só podem ser usados na cozinha, no tapete da sala”e blá blá blá, eu , pelo bem da paz mundial, dizia que iria tentar não cometer o mesmo erro de novo, pedia desculpas e voltavámos sempre ao mesmo ciclo vicioso.
Até que um dia, eu sou boazinha mas não sou santa, perdi a minha paciência, e numa das crise de silêncio eu simplesmente não disse nada, passaram dias, semanas, meses, até que um dia fui delicadamente informada pelo marido dela que teria de procurar outra casa para morar, faz 3 anos que não nos falamos.
Tudo bem, eu sei que esta mulher tem sérios problemas psicológicos, mas ao meu ver uma das causas do comportamento dela era a falta de verbalização, ela achava que era muito mais fácil deixar de falar comigo do que dar um berro toda a vez que estivesse chateada, por mais louco que fosse o motivo, assim eu daria uma resposta, mesmo que não fosse a que ela queria ouvir, e viveriamos felizes para sempre, ou não...
Enfim, isto tudo para dizer que eu sempre fui uma pessoa directa, as vezes até demais, e sempre odiei jogos, desde pequena que luto pelo direito de verbalizar.
O problema é que as pessoas são muito indecisas, enquanto uns acham louvável a minha atitude de dizer sempre o que eu penso, outros acham que eu sou uma louca, revoltada com a vida, metida a importante e muitas outras coisas que não to com saco para descrever.
Os meus relacionamentos, profissional, familiar, romântico, são sempre complicados por causa da falta de verbalização, acontece que com o passar do tempo perdi a paciência e quem não gosta deste meu jeito eu simplesmente mando a merda e sigo em frente.
E assim existem aquelas pessoas que me amam e aquelas que me odeiam de morte.
No campo da amizade a minha verbalização funciona muito bem obrigada, porque os meus amigos acabaram por descobrir que o “falar o que pensa” é uma bênção, por pior que seja a verdade sabem que eu sempre serei sincera, e que nunca farei aqueles joguinhos “mete nojo”, que acabam por afastar de vez as pessoas, e aqueles que sobrevivem ao meu “tratamento de choque”, acabam por virar mais do que meus amigos, são a minha família.
Na área “famíliar”, eu prefiro não comentar...
E por fim chegamos a área romântica, esta é a mais afectada pela minha verbalização, porque? Como disse antes as pessoas não sabem o que querem.
Nunca tive um relacionamento que durasse mais de 1 ano, quando não sou eu a perder a paciência pela falta de comunicação, são eles que se assustam com tanta sinceridade e correm pra o colo da mãe ou daquela ex que vivia amuada sem razão aparente.
Não digo que eu seja perfeita, graças a Deus estou longe de o ser, muito longe mesmo...
Eu simplesmente não percebo, as pessoas desfilam discursos de “ como faz falta uma pessoa sincera, que diga aquilo que pensa, que não fique amuada por tudo e por nada, etc, etc...”, mas na verdade elas não estão preparadas para a verbalização, e por isso continuam a brincar com joguinhos que são mais velhos do que o universo.
As vezes eu gostava de ser aquela mulher misteriosa, que não atende o telefone na primeira chamada, e quando atende faz voz de descaso, que pode estar a roer as unhas de ansiedade de falar com a tal pessoa, mas que finge que aquilo nem é com ela, que pode estar apaixonada querendo casar e ter 5 filhos com alguém, mas que age como se aquele fosse apenas uma pessoa vulgar que conheceu por acaso...
Enfim, eu gostava, as vezes, de saber jogar, de não ser tão transparente, de não estar escrito na minha testa aquilo que se passo no meu coração, e de fechar a minha grande boca, e dizer apenas algumas frasesinhas interessantes para manter o interesse e a curiosidade.
Mas eu não o sou, eu sou este monstro da sinceridade, sou essa menininha bobinha que insiste em vomitar palavras românticas ao vento, sou este clixê ambulante que sonha com um amor e uma cabana e que insiste em acreditar que a humanidade é maravilhosa e que só estão um pouquinho perdidos...
E as vezes penso em qual será o limite entre verbalizar e falar demais...
Nos meus momentos de grande consciência da minha maravilhosa personalidade, acredito sinceramente que quem não está preparado para esta minha peculiar forma de ser, simplesmente não é digno de estar ao meu lado, mas como todos nós fomos abençoados pela dualidade, também tenho aqueles momentos que só me apetece costurar um ziper na boca.
Acabei por criar o método “vamos ver se você aguenta”, e quando conheço alguém apresento logo o “monstro”, aqueles que não correm de medo acabam por fazer parte da minha vida, de uma forma ou outra.
Já tentei convencer uma amiga psicóloga que era louca, se eu tivesse algum papel a confirmar isto era mais fácil, conhecia alguém e mostrava o papel, a pessoa saia correndo e não tinha tempo de roubar um pedacinho do meu coração, poupávamos lágrimas, tarde passadas em frente ao mar tentando entender porque razão o universo me fez desta forma, CDs quase furados de tanto ouvir a mesma música, milhões de palavras usadas para expressar um coração vazio, tequila, muita tequila, e etc, etc...
A tal amiga disse que eu não era louca e ainda elogiou muito a minha forma de ser, acho que ela deve mudar de profissão...