quarta-feira, 29 de abril de 2009

O morro dos ventos uivantes



Heathcliff para Catherine.

“Catherine, praza a Deus que não tenha descanso enquanto eu viver! Disseste que eu te matei… pois persegue-me agora com o teu fantasma!… Sei que a vítima persegue o seu assassino. E sei que andam almas penadas pela terra. Fica comigo para sempre… toma qualquer forma… enlouquece-me! Mas não me deixes neste abismo onde não te possa encontrar! Oh, Senhor! É inexprimível! Não posso viver sem a minha vida! Não posso viver sem a minha alma!”


Catherine sobre Heathcliff.

“Se tudo perecesse, mas ele ficasse, eu continuaria a existir. E, se tudo permanecesse e ele fosse aniquilado, o mundo inteiro se tornaria para mim uma coisa totalmente estranha. (…) Nelly, eu sou Heathcliff!”


Caroll sobre "O morro dos ventos uivantes"

A primeira vez que vi e o li tinha por volta de 11 anos, naquela época fiquei fascinada com essa história, não entendia como o amor podia ser tão egoísta, vingativo e caprichoso, era tudo ao contrário do que eu encontrava nas poesias de Vinicius...
Hoje com 26 anos tudo fez sentido, e como disse-me alguém outro dia, existem vários tipos de amor, mas existem encontros que, com sorte, só acontecem uma vez na vida.
Como o de Catherine e Heathcliff...

Ir apenas ir...



No dia 25 de marco de 2001 ela partiu sem olhar para trás...

Ela sempre soube que não pertencia aquele lugar, e as pessoas faziam questão de confirmar a sua certeza todos os dias de sua vida.

Andava pelas ruas sentindo-se uma imigrante deslocada, a sua volta pessoas com semblantes diferentes, gostos diferentes, vida diferente, sonhos diferentes, tudo era igual e ela não encaixava-se naquela peça.

Durante anos ela imaginou aquela partida, imaginava-se dentro de um carro, um Ford Thunderbird, como o do filme "Thelma e Louise", ela pensava muito naquele filme, pois sempre admirou quem tem coragem de ir sem olhar para trás.

Oito anos depois, ela acorda e abre a janela de seu quarto, um quarto diferente, do outro lado do oceano, com pessoas e gostos diferentes, e até uma própria versão dela diferente.

E a mesma cena apareceu na sua cabeça, a cena final, o carro a voar nas montanhas...

Ela sempre quis voar, sonhava vezes sem contas que planava sem asas, mas no sonho tinha medo...

Agora na varanda, de braços abertos, como se fossem asas, e o vento a tocar a sua face de olhos fechados, ela só pensava no velho thunderbird, na sua cena final preferida, ela dentro do carro, com uma parte do seu mundo no banco de trás, e o seu outro eu no banco do lado, seguindo por uma estrada sem mapas, sem GPS, sem destino, seguindo para um mundo onde jamais seriam imigrantes, pois era um mundo construído por eles...

No filme Thelma e Louise transgrediram as leis, e não encontraram outra alternativa que voar com o Thunderbird pelas montanhas a baixo...

Eu própria estou a querer transgredir leis humanas e divinas, e até mesmo já posso considerar-me uma criminosa, já ultrapassei algumas linhas do bom senso, pergunto-me se teremos outra alternativa, se poderemos apenas seguir caminho no nosso Thunderbird, ou se teremos de voar pela ultima vez...

Quando ela vê um filme que não gosta do final, ela o reconstrui na sua cabeça, as vezes até acredita mesmo naquele final, e quando alguém diz que não foi assim, ela ri de si mesma, por ser tão aluada, se eu não gostar do meu final, será que o poderei reconstruir?

A única coisa que ela sabe neste momento, é a imagem que tem de si no carro, com a Cat Power a cantar Oasis no rádio, os seus cabelos a voar com o vento, o sorriso de canto de boca pintado na face, uma mão no volante e outra delicadamente preenchida.

Ela só quer ir sem olhar para trás.

terça-feira, 28 de abril de 2009

My Blueberry nigths



Acredito que existem filmes, livros, músicas e até imagens...que aparecem quando tem de aparecer...como se fosse o sussurrar de um anjo nos nossos ouvidos, como um recado celestial indicando o caminho que tens de seguir...ou somente para colorir um pouco a vida de quem vê a preto e branco.

Porque uma boa história merece sempre ser celebrada...meu pedacinho preferido de "My Blueberry nigths", porque eu sempre gostei de filosofias de café...


Norah: Acho que ando só a procura de uma razão...

Jude:
Bem pelo que tenho observado...as vezes é melhor não saber...e outras vezes não há razão nenhuma para encontrar...


Norah:
Tudo tem uma razão...


Jude:
Como estas tartes e estes bolos, no final de cada noite o cheesecake e a tarte de maça estão todos vendidos...a torta de pêssego e de chocolate estão no fim...mas fica sempre uma tarte de mirtilo inteira...


Norah:
Qual o problema da tarte de mirtilo?


Jude:
Nenhum, só que as pessoas fazem outras escolhas...não podes culpar a tarte de mirtilo, simplesmente ninguém a quer...


Norah:
Espera! Eu quero uma fatia...


Jude:
Com gelado...?


Norah:
Sim...


Porque as vezes as coisas simplesmente acontecem...sem razão alguma, porque as vezes "atravessar a rua só depende de quem está do outro lado..."

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Vícios e virtudes




Já não tenho forças para fugir de ti...


E o fruto do pecado chamava-se nós, e todos os erros chamavam-se nós, e todos os errantes chamavam-se nós...


A nossa essência é pérfida, o nosso odor é a tentação personificada, eu e tu somos o pior da face da Terra, somos o lixo existente na alma humana, e mesmo assim...somos apenas somos...

A verdade? o que é a verdade? quem define o que está certo ou errado? nós podemos construir nossas próprias leis, nós somos Rei e Rainha das nossas vontades, nós somos o nosso próprio
dicionário, a nossa própria tábua de pedra, com os dez mandamentos cravados na nossa pele.

Tu e eu...damos um novo significado a palavra amor, sem julgamentos, sem fronteiras, sem virtudes, só vícios, e qual é o mal? se o nosso destino é nos afogar num mar de podridão, quero perder o ar contigo, quero sentir o ar da sua boca, e que a ultima canção que me entorpeça os sentidos seja o bater do teu coração.


Não, não quero saber do passado, quero o teu futuro, apaguei a minha linha da vida com a borracha dos meus desejos, e tu, só tu, vais a desenhar de volta, tu és a verdade, tu és o meu vicio maldito, tu és a minha heroína particular, entra nas minhas veias, mata-me, mas não me deixe viver um segundo sequer sem ti.


Eu e tu, tu e eu...nós somos metade da mesma costela, somos o significado do nome um do outro, eu sou tu, tu és eu...para sempre nós e somente nós.


Não, já não tenho forças para fugir de ti, estou a me entregar a ti embrulhada num papel dourado com laço vermelho, faça de mim o que bem entender, pois eu já não sou Caroll, sou apenas tu, e tu és apenas meu.


Sim, coisas estranhas realmente acontecem, e eu que achava que o universo não me ouvia, ganhei tu em forma de resposta alucinante.


"Não perturbe o tornar-se"

Deleuze

Nada



No meu palco apenas fragmentos da personagem que eu fora outrora...

Na minha vitrola apenas discos arranhados que tocam músicas sem sentido...

Na minha estante livros rasgados, com histórias repetidas sem "Happy end"...

Na minha mala um maço de cigarros vazio de onde não posso absorver nenhum veneno, mais?

No meu corpo...nada...apenas um vazio...

Nos meus pés onde antes tinham calçados as sabrinas de uma bailarina descompassada, agora nem isso...

Na palma da minha mão, não há linha da vida, não há linha do destino, não há desenho algum, apenas calos de alguém que viveu e não quer mais...

O meu filme da vida perdeu a graça, perdeu a cor, perdeu o rumo...não sei de mais nada...

A minha alma, que um dia foi de todas as cores, esta manhã acordou sem cor alguma.

A desilusão é a visita da verdade



Sempre gostei da Jane Austen, adoro as personagens dela, são fortes e lutadoras, são mulheres que se destacaram na época em que viveram, mas a minha personagem preferida de sempre é a Jo das Mulhersinhas, que até pouco tempo atrás achava que tinha sido escrito pela Jane também.
Acabei de ver Orgulho e Preconceito, já vi esse filme mil vezes, já li o livro mil vezes, e a sensação é sempre a mesma, o adoro.
Não existe mais amor como o do passado, hoje em dia o amor é uma grande, enorme mentira, as pessoas são cruéis, egoístas, só pensam em si, o seu ego enorme não os deixam ver a alma brilhante das outras, tudo o que vêem é carne.
Por luxuria as pessoas mentem, iludem, declamam palavras, oh meu Deus como alguém pode usar as palavras, as minhas amadas palavras, para iludir o coração de alguém?
E hoje tudo o que eu queria era poder entrar dentro do meu livro preferido de sempre, mas eu dei o meu exemplar para uma pessoa querida, e não tenho aqui ao meu lado, tudo o que eu queria agora era ouvir as palavras da destemida Jo, e imaginar que nem tudo está perdido, que ainda existem pessoas íntegras, com o coração puro e cheio de amor.
O mundo é podre, as pessoas são fétidas, já não há beleza neste planeta, está tudo perdido.
E hoje eu sinto-me apenas um pedaço de carne, boca, seios, pernas, sem coração, o resto deste acabei de enterrar, aliás eu não...o fizeram por mim, ao usar as minhas palavras, transformaram-me em nada, e ainda teem a lata de dizer-me que eu sou tudo, apenas mais um dado neste jogo estúpido, apenas mais um corpo no meio de tantos outros, eu não sou nada.
Deixa-me em paz...arranja outro brinquedo, esse já está partido.
Vou ler Persuasão da Jane...o resto já não me interessa...está tudo perdido...

domingo, 26 de abril de 2009

Da série "Carlos Alberto e suas, seus, amantes..."



Era tarde, e Carlos caiu para o lado implorando que eu o deixasse descansar, eu ria, perguntei se com todos os seus amores tinha sido assim, ele disse que o passado era coisa do passado, e que o que interessava era o agora.

Eu sabia que ele tinha razão, mas a minha curiosidade falava mais alto, ele amuou mas acabou cedendo aos meus caprichos...

Como acontece com todas as histórias que são recontadas, essa historia não é tão fiel ao relato de Carlos, porque tem pedaços meus, e o ciume é umas das partes maiores, porque por mais que eu tente aceitar, o facto de meu Carlos ter sido de outra, doí na minha alma.

"Carlos e Isabela"

Isabela era daquelas mulheres que viram a cabeça de qualquer homem de ponta para baixo, era linda no verdadeiro significado da palavra, declamava Nietzsche com uma precisão absurda, era tão perfeita que metia nojo em todas as outras mulheres imperfeitas, como eu, era esguia e tinha uma longa cabeleira loira, super controlada dizia as coisas certas no momento exacto.

Carlos ficou louco por Isabela, ela foi sua musa durante muito tempo, escrevia milhares de versos com Isabela na sua mente, ela era a sua fonte, pessoal, da juventude, pois o fazia sentir-se anos mais novo.

Meses de conversa depois, Carlos finalmente conseguiu dar um passo a mais em sua relação com Isabela, combinaram um jantar em sua casa, regado com muito vinho tinto, e músicos mortos na vitrola, ele estava em êxtase, finalmente ele e sua Bela estariam juntos...

O clima aqueceu e Carlos e Bela fizeram amor, até aí tudo bem, o problema é que na hora do vamos ver, Bela que era tão falante e inteligente, ficou muda, nem na hora do clímax a garota emitiu um ruído, nada, nem um ahhhhhhh abafado...

Mas ela sorria, estava feliz, era o que parecia, e os encontros seguiram-se, e Carlos foi ficando cada vez mais frustrado com o silencio de Isabela, não entendia o porque daquela filosofa faladora ser tão calada na hora de fazer amor...

Um dia cansado daquela situação, Carlos perguntou a sua amada o porque do silêncio, ela não entendeu a sua frustração, e reagiu como se aquela pergunta fosse uma ofensa, ele disse que assim não dava, que ela ao menos teria de explicar o porque daquele silencio, e ela respondeu...

"O prazer é algo pessoal, você sente da sua maneira, eu sinto da minha, e não há mais nada a dizer sobre isso, por isso fico calada."

Carlos detestou tanto aquela resposta que nem disse nada, apenas levanto, vestiu-se e foi embora, no caminho até sua casa, pensou em Isabela, no seu silencio, e no tempo em que a considerava a sua musa, percebeu que o tempo passara, assim como as estações do ano, Isabela agora era apenas mais uma no meio de tantas, quando chegou em casa, tomou um banho e deitou-se na cama, e no criado mudo onde tinha uma foto de sua musa muda, agora apenas residia um ponto de interrogação.

Devaneios



Ainda lembro de quando os meus sonhos eram simples...ganhar um prémio Nobel da literatura, atravessar o continente americano de moto, casar com o Keanu Reeves e provar pra todo mundo que o cara não é viado, morar em São Francisco.

Eu cresci e comigo também cresceram os meus sonhos, e aos poucos eu fui desistindo deles, um a um, a vida foi jogando na minha cara que sonhos são coisas de criança, que eu já era uma menina crescida e devia me portar como tal, e eu fui acreditando nisso, ou melhor, fingindo que acreditava porque não tinha coragem o suficiente para lutar, estava acomodada.

Hoje em dia eu me olho no espelho e não encontro mais aquela menina que matava aulas para passar o dia na biblioteca do bairro, já não sei quem sou, nem sei direito o que quero, tudo tornou-se tão sem graça, o tédio virou rotina, e já não vejo mundos mágicos em poças de água.

Não sei de quem é a culpa, nem sei se realmente existem culpados, mas acho que com o passar dos anos a minha visão foi deixando de enxergar a magia existente nas pequenas coisas, e sinceramente...eu não sei, não sei mesmo mais o que é realmente ser feliz.

Deus me livre, não sou daquelas pessoas chatas que estão sempre reclamando da vida, e a dizer que o mundo é uma merda, mas...sou daquelas pessoas que sorriem sem vontade, salvo algumas ocasiões em que sorrio mesmo com muita vontade.

E as vezes sinto-me apenas matéria, um corpo com um coração que bate e pernas que andam, quando me sinto assim, forço-me a encontrar a minha alma, procuro em todos os cantos de mim, até achar-me, e quando eu encontro-me dou-me um abraço e digo que vai ficar tudo bem...o problema é que cada vez mais custa mais a encontrar-me.

Existem pessoas que são como uma lanterna para a alma, iluminam a minha escuridão e eu consigo ver-me, e tudo derrepente torna-se tão claro...só que as pessoas são más, e não são dignas de confiança, quando menos espero, dão-me o bote, e despedaçam-me mais e mais uma vez...

Se alguém dissesse-me quando eu tinha oito anos que quanto tivesse 26 seria uma alma solitária, eu jamais haveria acreditado, pois naquela época os meus sonhos eram os meus melhores companheiros.

Sinto falta do sol, sinto falta do mar, sinto falta da Caroll Surreal, aonde ela está?

Update: Será que milagres realmente acontecem? Será que tu és de verdade? Eu já não sei...

sábado, 25 de abril de 2009

Da série: "Quem espera sempre alcança"

Sobre o 25



Gosto de histórias de gente que lutam por aquilo em que acreditam, gosto de ouvir falar daqueles que lutaram contra a ditadura no Brasil, e da luta diária das Térmitas a tentar defender a sua colónia, gosto de pessoas corajosas que acabam com uma guerra com ajuda de uma flor...e de um mês para cá, gosto demasiado do dia 25...

A Rapariga do País de Abril

"Habito o sol dentro de ti

descubro a terra

aprendo o mar

rio acima rio abaixo vou remando

por esse Tejo aberto no teu corpo.

E sou metade camponês metade marinheiro

apascento meus sonhos iço as velas

sobre o teu corpo que de certo modo

é um país marítimo com árvores no meio.

Tu és meu vinho. Tu és meu pão.

Guitarra e fruta. Melodia.

A mesma melodia destas noites

enlouquecidas pela brisa no País de Abril.

E eu procurava-te nas pontes da tristeza

cantava adivinhando-te cantava

quando o País de Abril se vestia de ti

e eu perguntava atónito quem eras.

Por ti cheguei ao longe aqui tão perto e vi um chão puro: algarves de ternura.

Quaundo vieste tudo ficou certo e achei achando-te o País de Abril."


Manuel Alegre

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Devaneios



Caminhava na areia, era o primeiro dia de verão do ano, mas estava frio...

O Astro Rei iluminava a água do mar, tornando as suas ondas, vai e vem, prateadas, mas eu estava congelada.

Sentei-me na praia deserta, fiquei ali horas a admirar a linha do horizonte.

Perguntava-me se eu teria isso, uma linha imaginária que demarcasse os meus limites.

Lembrei-me do texto de Platão, que tinha lido na noite anterior, que falava dos prisioneiros na caverna.

Eu própria já estive acorrentada nas trevas, mas nunca estive conformada com as toscas imagens que via na parede.

Sempre desejei mais, sempre sonhei em vislumbrar uma luz que nem sequer sabia se realmente existia...

Um dia fui libertada, e tal como no texto minha visão ficou ofuscada pelo sol, demorei imenso tempo a conseguir ver a luz em vez de manchas distorcidas. (Ainda hoje a minha visão não é perfeita)

Sim, eu tinha uma linha imaginária, a linha do " a partir deste ponto não podes voltar para trás, pensa bem se queres dar mais este passo..."

As minhas correntes partiram-se...e eu caminhei...porque aquele que consegue olhar para o sol sem ver manchas, jamais volta a conformar-se com as trevas.

Eu tenho o meu sol, e todo o resto são apenas imagens sem graça, sem ele, quem é o louco que troca o brilho do sol a reflectir no mar por a escuridão de uma caverna?

O caminho é meu, fui eu quem escolhi, e sentada aqui nessa praia fria, eu pergunto-me: "Como pude alguma vez ser feliz sem isso?"

Tu és os meus óculos mágicos, que transformam o meu mundo num planeta encantado, Tu és a magia personificada, Tu és o pior e o melhor e Tu mais eu fazemos a equação mais perfeitamente imperfeita do universo.

Já não há como voltar atrás...

Amor, Morte e metamorfose em 5 atos

Lembra da primeira vez que bateste na minha porta? (mãos a afagar o meu cabelo)

A que porta te referes? (sorriso maroto)

(Sorriso de canto de boca) A porta da minha casa minha menina... (dedo tocando a ponta do meu nariz)

(Gargalhada) É claro que eu lembro, foi a coisa mais louca que fiz na vida.

(Olhos dengosos) Não te preocupes, ao meu lado ainda vais fazer muitas coisas loucas para juntar a esta tua primeira.

(Sorrindo com o corpo todo) E que os anjos digam Amém!!! (corpo a saltar para cima dele)


II Ato


Nos dias que decorreram sem Carlos Alberto, sem Ella, sem a Estranha e sem a Outra...mergulhei num tédio sem fim.

Nada mais tinha graça, e comecei a sentir o bafo frio da morte a assombrar o meu corpo.

Os pensamentos mais sombrios nasciam na minha alma, sentia-me terrivelmente só, mesmo estando rodeada de amigos e familiares.

De todos, era Ella que me fazia mais falta, na noite fatídica que tive o meu maior acto de estupidez de sempre, Ella gritou de fora para dentro.

Acusou-me de traição, afinal tínhamos feito um pacto, eu havia cedido o controle a ela, e retirei o seu poder sem pensar um segundo nos seus sentimentos.

Ella e Carlos era almas gémeas, cada um com seus defeitos e qualidades, mas tinham algo em comum...o respeito, Ella respeitava o facto de Carlos ser... diferente, e por sua vez Carlos respeitava o facto de Ella ser apenas uma alma presa em mim.

Houve um tempo, em que desejei ardentemente conhecer alguém como ele, na verdade este desejo era da Ella, mas acabou por tornar-se meu também, como ele nunca mais vinha, e eu sou ansiosa por natureza, o desejo acabou por ficar escondido algures na minha mente.

Esta foi a vingança de Ella, antes de partir desenterrou todos os seus, nossos, desejos que estavam perdidos na minha cabeça.

Saber que Carlos nada mais era que o resultado dos meus pedidos ao Universo, e as vezes ele responde de uma forma tão irónica, fez-me sentir tão idiota, pior ainda, fez-me sentir cega...mas até um cego teria visto o que os meus olhos negaram-se a ver...Carlos era eu, eu era Carlos.

Chorava todas as noites, a implorar que as minhas meninas voltassem, até da Outra eu sentia falta, pedi desculpas, pedi perdão, mas elas haviam herdado o meu pior defeito...o orgulho.

Sucumbi a dor e a tristeza de ser apenas mais um alguém com um corpo e apenas uma alma...

Apanhei um comboio para Lisboa, andei até a ponte 25 de Abril, se o faria, teria de ser ali.

Estava ali encostada nos arcos da ponte, vestida de preto, num luto prematuro, um luto meu, os carros passavam mas nem davam por mim, estava só, o vento frio batia na minha face, eu estava quente, não tinha medo...a decisão estava tomada, sem ele...sem elas...de qualquer forma eu não existia.

Eu cai, e as levei comigo...

"Desculpa", disseram-me no preciso momento que meu corpo balançou para fora da ponte.

"Ao menos estamos juntas outra vez..." Disse eu a voar no espaço...

Foi quando o vi, ele estava sentado, no escritório escuro, apenas iluminado pela luz do écran, os olhos estavam vermelhos, cheios de lágrimas...

No noticiário, um repórter mal vestido dava a noticia da minha morte...

"Ontem a noite, uma jovem de 26 anos, brasileira, atirou-se da ponte 25 de Abril, a policia e os bombeiros ainda estão a procura do seu corpo no Tejo..."

Nunca o vão encontrar...disse Ella

Mas do que estás a falar...???

Neste mesmo momento o despertador tocou...foi só um sonho???

Ella, Ella!!!

Estou aqui sua tonta.

Onde estão as outras?

Oh Caroll, estamos todas aqui...

O que vamos fazer?

(Risos)

Como se tu já não soubesses a resposta...


III Ato


Era noite, a estrada desaparecia rapidamente atrás de mim, no banco de trás estavam sentadas Ella, a Estranha e a Outra, todas a sorrir.

Ao meu lado, um fato pendurado num cabide dizia com uma voz muda: "Vai dar certo..."

Quando cheguei ao meu destino, as três seguiram atrás de mim a dar-me coragem.

Subi as escadas até o 1 andar, respirei fundo e bati na porta...


IV Ato


Quando ela perguntou-nos o que fazer, respondemos o óbvio, ela riu-se tanto da resposta, que não conseguimos evitar de sorrir também.

É preciso entender que ela é uma alma nova, fez poucas viagens, por isso, as vezes, é um pouco limitada, mas quando foi criada recebeu o maior dos dons... o de amar incondicionalmente, e por amor ela se dava. por amor ela transformava-se.

Carlos abriu a porta, e ficou perplexo com a visão grotesca que estava diante dos seus olhos...uma Caroll vestida de fato branco e uma garbadina castanha, sapatos de vinil, um distinto chápeu na cabeça, encostada na parede a fumar um cigarro, tentando fazer a melhor imitação de Humphrey Bogart, em Casablanca, que conseguia...

Carlos Alberto não se conteve, e desatou a rir...

Caroll, com um gesto sedutor, levantou a perna e deixou aparecer um pouquinho da meia de renda preta transparente que tinha de baixo da calça masculina.

"És uma princesinha linda sabia?" disse Carlos com um mão no queixo, e outra na cintura de Caroll.

Ele tirou o chápeu dela, e bagunçou os seus cabelos castanhos claro, com os dedos, agarrou na sua nuca, e deu-lhe um beijo digno de uma cena de cinema.


V Ato

Oh deixa eu adivinhar Ella...e viveram felizes para sempre...?


Caramba Outra, como você é enjoadinha...


Não Estranha, a Outra tem razão, a felicidade não é diária, até porque se o fosse virava rotina, e rotina dá tédio, e o que é certo é que com Carlos e Caroll, a rotina é carta fora do baralho.




The (Happy?) End


quarta-feira, 22 de abril de 2009

Coisas de Caroll



"O coração calmo é a vida do organismo carnal, mas o ciume é podridão para os ossos."

Provérbios, 14:30


Viver sem ter é extremamente doloroso, mas é uma dor fantasma, pois como nunca se teve não se sabe ao certo o que é perder.

Ter e não poder tocar...oh Deus, consome os meus sonhos, envenena a minha alma, rouba cada segundo dos meus pensamentos, torna-se um memorial constante preso nos meus olhos.

Nunca fui o tipo de mulher que se rebola de ciumes na cama, que inveja cada palavra pronunciada por seu amado que não tenha sido para si, que acorda as 5hs da manhã ao som de um despertador imaginário, e chora, e chora...por causa de um sonho mau.

Existe isso de amar com liberdade? de deixar ir pra depois voltar? de ser dois seres independentes desligados, e ao mesmo tempo, ligados a outro?

A minha visão minimalista dos factos me diz que é ou não é, que não existe meio termo, ou duas pessoas são uma só, ou são apenas duas pessoas sozinhas com uma companhia fantasma, serei eu demasiado...minimalista?

Fecho os olhos, o imagino a acordar, e dar bom dia para os pássaros, inveja dos pássaros, segurar uma chávena quentinha de café, inveja da chávena, a sentar na cama e calçar os sapatos, inveja sobretudo dos sapatos, a sair para a rua e comprar um jornal, inveja do jornal...e por aí vai, assim vou dançando ao som de uma música que não é minha.

E me pego a desejar ser tudo, ser o ar que ele respira, ser o tecido da roupa que o veste, ser o tal sapato que caminha junto com os seus passos, ser ele, como eu queria ser ele, porque se eu fosse ele, eu me daria todo a mim, seria só meu e de mais ninguém, salvo uma pessoinha.

Caroll, cade o amar com liberdade?

Experimenta amar a distancia e depois diz-me como é possível amar com liberdade, oh...não quero transformar-me naquela mascara japonesa feia, Hannya, se for assim, se tiver de tranformar-me em algo, que seja belo e transparente, que seja um poema, que seja um poema pronunciado pela boca do meu amado, com palavras só minhas, um poema meu e só meu, não como o nosso mantra, que já não é nosso, palavras de amor para a Caroll...

Ok, eu sou ciumenta, agora experimentem amar um ser que se doa insesantemente a tudo o que se mexe e que tem vida, e não o ser?


Existira no mundo, alguma mulher que possua um coração calmo?

terça-feira, 21 de abril de 2009

Ella, Praga e Carlos Alberto



Duas semanas passaram-se até receber a primeira carta de Carlos Alberto, e também foram duas semanas em que Ella gritou sem parar dentro da minha cabeça.

Ter três mulheres dentro de mim é um saco, mas pior ainda é ter uma menininha mimada que quer tudo e mais alguma coisa, ok, Ella não é mimada, mas é uma chata que as vezes dá vontade de mandar para o Afeganistão como arma secreta.


Não me entendam mal, das três a Ella é a minha preferida, não contem as outras duas pelo amor de Deus, acontece que houve um tempo em que a Outra dominou o nosso corpo, Ella diz que este foi o "tempo da escuridão", pois tudo era sombrio e triste.

Neste tempo a Estranha ainda não havia aparecido, e eu e Ella ficamos presas num porão escuro, que tresandava a mofo, dentro do nosso próprio corpo, acabei por a conhecer melhor, e descobri algo que me deixou estupefacta, apesar de Ella ser uma menina, era a mais velha de nós três, tinha sido ela a viver mais vidas.

Acho que por isso Ella tem alma de criança, por ela ser tão evoluída, e saber, e ter coragem para lutar por, exactamente aquilo que quer.

E quando nossos olhos encararam Carlos Alberto pela primeira vez, foi Ella a primeira a reagir, nunca a tinha visto daquela maneira, não parava de saltar e cantar dentro de mim, confesso que isto é um pouco...humilhante, tentar disfarçar uma alma saltitante e cantante que vive dentro da minha cabeça, é humilhante porque simplesmente no confronto EllaVs Caroll, bem...adivinhem só quem é a vencedora?

Foi também Ella a primeira a perceber que Carlos Alberto era parecido connosco, levava dentro de si mais almas, pelo menos tínhamos reparado em uma, a alma feminina.


A Outra, céptica como ela só, disse logo que éramos todas loucas, e que aquilo não era um homem, que só pra variar embarcaríamos numa canoa furada e ela teria, como sempre, dar uma de salva vidas. ( As vezes a Outra pode ser pior do que um chute no saco)

A Estranha, desinteressada como ela só, ficou logo de fora do debate, disse que por ela o que eu e Ella decidissimos ela aceitaria, a Estranha e a Outra não se falam, algum tempo atrás tiveram uma grande briga, cuja razão não me deixam saber...

Perante aquilo tudo, e a verdade é que a minha menina estava amando como uma adulta, foi então que tomei uma decisão aterradora, cederia o controle completamente a Ella, o problema é que não tinha a certeza se ela o devolveria.

Durante as duas semanas em que Ella gritava, o grito não era de fora para dentro, e sim de dentro para fora, estava tão insuportável que a minha família já pensava seriamente em: Opção A: Enviar-me para o Brasil com passagem só de ida, Opção B: Deitar Prozac para dentro do meu café sem eu perceber e finalmente Opção C: Ignorar-me completamente, a ultima opção acabou por vencer.

Entretanto o prozac chegou em forma de carta, e Ella estava tão feliz, que nós as três não conseguimos evitar de deixar a alegria infantil de nossa companheira dominar todos os nossos sentidos.
Acontece que em quanto Ella é infantil, a Estranha é desinteressada e a Outra é céptica, e um pé no saco, eu, Caroll, sou como São Tomé, ver para crer, e isto de Carlos Alberto ser homem e mulher ao mesmo tempo, estava a me deixar um bocadinho nervosa.

Depois de meses a trocar correspondência, decidimos finalmente marcar um encontro, ele sugeriu Sintra, mas Ella disse que não, que queria ir na cidade que ela teimava em chamar de Praga, não que ela achasse que a cidade era uma "praga", mas por ela lembrar de Praga, capital da República Checa, toda vez que ouvia o nome da tal cidade, esquisitices e caprichos de Ella a parte, lá fomos nós.


Combinamos de nos encontrar num café mesmo na estação de comboio, fomos as primeiras a chegar, sentamos na esplanada e acendemos um cigarro para descontrair, fazia mais ou menos uns cinco minutos que estávamos ali, quando derrepente a minha, a nossa, pele ficou arrepiada, Ella, que ainda estava no controle, disse de dentro para fora: "Ele está aqui..."

Foi quando uma mão quente pousou no meu ombro, no nosso, nos viramos e ali estava ele, a nos olhar da mesma forma de meses atrás, o mesmo sorriso de canto de boca, a mesma postura confiante...entretanto...a alma a dominar aquele corpo não era a mesma do primeiro encontro, desta vez era a alma feminina.

É preciso entender que Carlos Alberto não se veste como mulher, não tem gestos de mulher, não fala com voz de mulher, simplesmente...ele é uma mulher...ao mesmo tempo que é um homem.
Imaginem um homem que tivesse o poder de ler a mente feminina, e de saber exactamente aquilo que queremos ouvir, da forma como gostamos de ser beijadas, da forma como gostamos de ser amadas, este é Carlos Alberto, o que a Outra chama de "uma covardia com os outros machos".

Acontece que eu sou uma mulher peculiar, sou quatro mulheres ao mesmo tempo, e agradar a todas nós da mesma forma, é quase impossível, e aquilo da alma feminina estava a incomodar- me imensamente.
Ella entregou o meu corpo e o meu coração numa bandeja dourada para Carlos, e ele recebeu a oferta completamente maravilhado.

De uma coisa todas nós entendemos e concordamos, fazer amor com paixão e a coisa mais deliciosa da face da Terra, e foi no meio dessa loucura e cheia de desejo que descobri que não dava, a alma feminina de Carlos estava mesmo a mais.

Isto aconteceu quando ele chegou ao clímax e gemeu de desejo, o problema é que neste momento ele gemeu como uma mulher, e não, eu já tinha três mulheres a partilhar uma cama comigo, mais uma era completamente inaceitável.

"Preconceituosa"
Foi o que ele disse quando saltei para fora da cama a gritar: "Deixa de ser mulherzinha Carlos Alberto!"

Neste momento era eu a tomar o controle, e estava tão irada que nem ouvia Ella a gritar de fora para dentro.

"Preconceituosa eu? fala sério Carlos, eu simplesmente não sou lésbica!"

Nem sabia exactamente o que estava a dizer, mas tinha de dizer algo não é?


"Lésbica? Pelo amor de Deus Caroll, és uma sessão espirita ambulante, aí a baixar personalidades diferentes a todo momento, e vem me criticar por eu ter apenas uma outra personalidade a viver dentro de mim?"

Ok, ele tinha razão, mas naquele momento eu não conseguia pensar em mais nada além de "eu estava deitada na cama com outra mulher", e isso estava a fazer-me uma confusão enorme.

"Tu não amas-me...e nem ama as suas outras mulheres, és uma egoísta, só amas a ti mesma."

Aquelas palavras caíram como uma bigorna na minha cabeça, o problema é que sou uma personagem real de um mundo real, não sou como os desenhos animados, não me reconstruo em segundos, fiquei ali parada a olhar para a parede, com os olhos cheios de lágrimas, porque tinha acabado de ser ofendida por uma mulher a viver num corpo de homem.


"Tenho pena da Ella, de todas vós ela é a única que ama com toda a liberdade que um amor possui, Ella já caminha no lado selvagem..."

Disse isso virando as costas e batendo a porta, deixando-me ali a pensar como ele sabia o nome da Ella, se eu nunca a tinha apresentado...?

Ella não voltou a falar comigo depois deste dia, nem a Outra, nem a Estranha, era apenas eu e eu no controle do meu corpo, o que eu outrora achava que seria um paraíso, mostrou ser um inferno em Terra, foi preciso aparecer um homem com alma feminina na minha vida, para eu entender que o amor, assim como as almas, não é linear.

domingo, 19 de abril de 2009

Numa tarde de primavera em Sintra...


Nem sempre os homens nascem com a alma masculina completamente formada, e alguns nunca chegam a ter por completo, e ainda há, em pequena quantidade, aqueles que transitam entre o Ser masculino e o Ser feminino.

Carlos Alberto é um destes poucos afortunados, que conseguiu o equilíbrio de ser homem e mulher ao mesmo tempo.

Desde a meninice, ele sempre teve o dom de encantar os dois lados, onde entrava deixava homens e mulheres encantados, não por a sua beleza, Carlos Alberto não era nada bonito, mas ele possuía uma certa postura, um certo olhar, um certo falar, que deixava todos de boca aberta.

Conforme foi crescendo, foi crescendo também a sua lista de amantes, de ambos os sexos, Carlos não se considerava nem homo, nem bi, nem nada, ele era apenas um ser que possuía duas almas, e por isso tinha de satisfazer as duas da mesma forma, nem a mais nem a menos.

Apesar de nunca ter a cama vazia, ele sentia as suas duas almas incompletas, e perguntava-se como isso era possível, afinal se ele era macho e fêmea ao mesmo tempo, como poderia ainda haver algo mais para ser?

Era uma noite de começo de primavera, e eu estava sentada na cama a assistir o jornal da noite, assistir como quem diz, pois os meus olhos estavam fixos no écran, mas os meus pensamentos estavam congelados em coisa alguma, quando o homenzinho da meteorologia disse que no dia seguinte iria fazer um dia de sol, como ainda não havia feito neste ano, nem pensei, sentei em frente ao computador e reservei uma passagem no primeiro comboio da manhã para Sintra.

Uma das razões de ter mudado de ideia de ir viver para São Francisco e ter vindo para Portugal, foi o facto de ter visto Sintra na minissérie da Globo, "Os Maias", não sei explicar o porque, mas houve qualquer coisa que mudou em mim com aquelas imagens, tinha de a conhecer.

Não há nada mais belo do que a cidade de Sintra num dia ensolarado de primavera, e enquanto o comboio deslizava lentamente pelos trilhos, ia relembrando a primeira vez que a visitei, era um dia de chuva, e fiquei maravilhada com o facto de nem num dia do mais bruto inverno, a cidade não estar cinzenta, odeio cidades cinzentas.

O comboio parou e uma voz fanhosa avisou que tínhamos chegado ao nosso destino, achei aquilo engraçado, como aquela voz fanhosa sabia que ia de encontro ao meu destino?

Sentei na esplanada de um café na minha amada Vila Velha, que fica num ponto onde se pode admirar quase toda a beleza de Sintra, pedi uma meia de leite clarinha com canela, e fiquei ali a imaginar como seria aquilo tudo em outro século, em outra vida.


Estava eu a beber a minha meia de leite, quando senti alguém a me olhar, fiquei com a pele arrepiada, pois sentia um olhar fixo em mim, foi quando eu me virei e o vi pela primeira vez, Carlos Alberto.

Ele era pelo menos uns quinze anos mais velho do que eu, era mais alto, tinha cabelos brancos, e um sorriso...tentador...olhava-me como se fosse a única pessoa sentada naquela esplanada, olhava-me como se fosse a única pessoa existente naquela terra, no mundo, no universo, e fazia isso tudo com um sorriso de canto de boca que me deixava tonta.

Quando ele levantou-se de sua mesa e começou a caminhar na minha direcção, perdi completamente o controle dos meus actos, não sabia se levantava e fugia dali, ou se apenas esperava para ouvir o que ele tinha para me dizer, a resposta foi fácil, continuei congelada no meu lugar, com o olhar fixo nos seus olhos.

"Olá, boa tarde, eu sou o Carlos Alberto, posso sentar-me ao seu lado?"

As palavras simplesmente saiam da sua boca, e eu nem tinha tempo de a ver mexer-se, ele não esperou a minha resposta, continuou a sorrir e sentou ao meu lado, mesmo ao meu lado.

Eu, completamente atrapalhada: Desculpa, mas quem é você???

Ele, ainda a sorrir com o canto da boca: Já lhe disse eu sou o Carlos Alberto, e tu, como te chamas?

Mas que homem insolente, como ele poderia achar que tinha o direito de sentar na minha mesa sem ser convidado e que eu ainda lhe diria o meu nome?

Eu, eu sei nem pensei apenas disse: Eu sou a Caroll, porque você acha que...

Ele, interrompendo o meu único acto sensato naquela tarde: Caroll? Só? engraçado, achei que tinhas um nome mais comprido...

Não entendi aquela afirmação, mas respondi que na verdade chamava-me Carolline, mas que preferia Caroll, e não entendi mais ainda quando ele respondeu que não era isso, que sentia que tinha outros nomes.

Ficamos ali sentados a tarde inteira, e quanto mais ele falava mais eu reparava que ele não era uma pessoa só, havia momentos que quase que via outra pessoa sentada naquela mesa, e por mais estranho que pareça, estava mais curiosa do que assustada, afinal eu também carregava outras pessoas dentro de mim.

Quando a noite foi se aproximando, ele perguntou-me onde estava hospedada, disse que não havia dado entrada em hotel algum, pois apanharia o comboio das 23hs de volta para o Algarve, neste momento tive a certeza que estava na presença de um ser com duas ou mais almas, pois a tristeza marcada no seu rosto era a tristeza de várias pessoas juntas.

Ele acompanhou-me até a estação, sempre a me encarar da mesma forma que me olhou da primeira vez, eu sentia a minha garganta seca, e o coração dilacerado, não queria dizer adeus aquele estranho que me parecia tão familiar, quando o barulho do comboio a chegar assombrou os meus ouvidos, arranquei um pedaço de papel do livro que carregava nas mãos, apontei a minha morada com as mãos tremulas, e a coloquei na palma da sua mão como se de um tesouro tratasse.

Ele não disse nada, apenas deu-me um beijinho na testa, levantei-me a correr e saltei para dentro do comboio, sentei no primeiro banco vago que avistei e apressei-me a olhar pela janela, ele já não estava lá.

Duas semanas depois, estava sentada no meu quarto, com os olhos congelados no écran da televisão, quando meu tio gritou da sala "Caroll chegou uma carta para você!!!", nem me mexi, irritante como ele é, gritou de novo "É de um tal de Carlo..." nem chegou a terminar a frase, pois eu já tinha saltado pra cima dele e puxado violentamente a carta de suas mãos, foi a primeira vez que recebi uma carta de Carlos Alberto.

sábado, 18 de abril de 2009

O mundo ao contrário



Era noite, fazia um frio de cortar a respiração, e eu caminhava numa estrada qualquer, vestida apenas com um velho pijama, azul, de verão, que já nem existe mais.

A estrada era de alcatrão, tinha os pés calçados com as hawaianas laranjinhas que meu pai havia mandado do Brasil uns Verões atrás, e caminhava com o meu longo cabelo castanho escuro voando com o vento...

Um carro parou ao meu lado, era preto, com os vidros escuros, tinha o rádio no ultimo volume a gritar "Alive" dos Pearl Jam, a porta do carona abriu, e uma mão saiu a me convidar a entrar.

Era dia, fazia um calor de 50º, e eu caminha numa estrada qualquer, vestida com o meu velho casaco castanho, que já nem existe mais.

A estrada era de terra, tinha os pés calçados com as botas de cano alto que comprei para passagem de ano de uns anos atrás, caminhava com o meu curto cabelo loiro a voar com o vento...

Um carro parou ao meu lado, era vermelho, os vidros eram escuros, e toda a sua lactaria vibrava com os Audioslave a gritar "Shadow on the sun" aos altos berros, a porta do carona abriu, e uma voz muda convidou-me a entrar.

Era uma tarde de chuva, e eu estava sentada com a cabeça enterrada no meio dos joelhos, numa estrada de flores mortas, no meu corpo não tinha nada vestido, tinha duas cicatrizes rosáceas em cada lado das costas, os meus cabelos castanhos claros batiam nos ombros, os meus olhos eram negros, os meus pés estavam descalços, e dos meus olhos saiam fios de sangue.

Levantei-me e estava vestida de flores, das duas cicatrizes saíram dois pares de asas, os meus olhos negros tornaram-se cor de mel, e os meus cabelos brilhavam como o mar no verão.

Um carro parou ao meu lado, eu não olhei, não vi a cor, tapei os ouvidos, não ouvi a canção, quando estava prestes a descolar, uma mão pousou no meu ombro, exitei por um segundo e olhei nos seus olhos, derrepente uma luz cegou-me, caí no chão horrorizada, e senti o meu corpo ser levantado do chão, quando dei por mim estava no interior do carro, o rádio tocava baixinho "Love you till the end" dos The Pogues, não conseguia virar o rosto para o encarar.

Concentrei a minha visão no espelho retrovisor, com a imagem da estrada a desaparecer atrás de nós, sentia o pavor a tomar conta do meu corpo, mas era um pavor estranho, tive de juntar toda a força que tinha para conseguir dizer sem gaguejar:

"Para onde estas a me levar?"

Uma gargalhada sarcástica deu a voz ao meu companheiro misterioso, a resposta seguinte foi a ultima coisa que ouvi:

"Oh minha menina, tu é que estás a me levar..."
Foi quando reparei que estava sentada no banco do condutor, as minhas mãos tremulas seguravam o volante, olhei no espelho e no banco de trás estavam sentadas três mulheres a sorrir.


E a estrada ficava sempre para trás, de nós...

Sonho da noite de 16 de Abril de 2009

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Sobre barreiras



Afinal, por quem os muros são construídos?


Nunca gostei de despedidas, até mesmo com os livros sou assim, quando termino de ler uma historia que gostei muito, abraço o livro, literalmente, e depois lhe dou um beijinho, sempre com um sentimento de angustia, pois chegou ao fim...e podemos até nos rever outra vez, mas aquela despedida é como quebrar o encanto que havia entre nós dois.

Eu odeio a solidão, dizem que é o grande mal do século, eu acredito sinceramente que sim, a solidão para mim é uma doença, talvez, tão pior que o cancro, ela nos mata lentamente, nos leva os sorrisos, as conversas, a alegria...e quando damos por nós só resta a amargura.

Acredito também que é possível estar só mesmo não estando...

Por ter medo do fim, uma parte de mim cria sempre certas barreiras na vida, é uma luta constante, a de construir e a de destruir...

E quando encontro algo, ou alguém, que desperta o meu interesse...o muro está lá, "NÃO ULTRAPASSAR", é o que está lá escrito, droga...nunca obedeço...

Nesta de obedecer ou não, muitas lágrimas são derramadas e muitos gritos são dados, pois a minha luta contra "eu" mesma, não é nada bonita.

A grande verdade sobre mim, é que sofro de amor incondicional, não sei ser meia na entrega, em tudo que amo eu mergulho com toda força que há em mim, e as vezes, quando volto a superfície falta um pedaço.

Mas e daí? quem chega no final da vida inteiro? Quem não se dá, muitas vezes, sem receber? Qual o mal de tentar ser feliz destruindo as barreiras?

Eu não sou o google, eu não tenho todas as respostas, e muito menos "sinto-me com sorte" todos os dias, mas eu sou autentica, eu não uso filosofias de outrem, mas se for preciso escalo, as minhas as tuas e as de quem quiser, as barreiras com todas as unhas que tenho nos dedos.

Eu sofro, eu choro, eu sangro, mas também sou como aquela heroína loirinha da série, eu sempre saro.

Hoje perguntaram-me: "Caroll, qual é a tua barreira", a resposta veio de imediato: "O medo...", por isso fiz o que já deveria ter feito, escrevi "MEDO", numa folha de papel a joguei na sanita e apertei a descarga, pensei em todos os meus medos, e os visualizei a irem embora com a água suja, depois sentei-me no chão da casa de banho, e ri de dar gargalhada, pois com um gesto infantil, consegui o que toda a minha maturidade não conseguiu fazer, fui exorcizada.

Que venham as barreiras, estou pronta para a escalada.


quinta-feira, 16 de abril de 2009

Íntimo & Pessoal


Quantas vidas te pertence?


Corre, corre, da-me a tua mão e corre...

Congela o teu sorriso com o meu, brinda comigo a dança descompassada da vida...

Bagunça o meu cabelo com a ponta dos teus dedos, redesenha a minha boca com a ponta da tua língua...

Faz-me tua todos os segundos intermináveis do tic tac do relógio...

Deixa o teu corpo ser o meu corpo e o meu corpo ser o teu corpo até ser humanamente impossível resistir a delicia que é ser nós dois...

Por favor sê meu Deus, deixa-me prostrar diante da tua grandeza sem fim, em cada ínfimo pedaço do meu dia...

Vem pra mim, pega-me pela mão, entorpece-me, morde a minha língua e cala-me os sentidos...

Tu...(sorriso), tu...(boca), tu ( amor), tu (carne),tu (canção), tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu... apanhaste-me.

O maior clímax, vem ao som da tua voz...(aquele sorriso de canto de boca que tu adora), estou delirada diante de ti meu Rei...

terça-feira, 14 de abril de 2009

Um mergulho no passado



Digam o que disserem, para mim não há nada mais triste do que o fim de um amor...

O ano de 2007 para mim foi o mais doloroso de todos, pois foi quando amei pela primeira vez alguém e também quando senti pela primeira vez a dor alucinante do fim de um amor.

E tanto tempo depois a ferida ainda está aberta, não que ainda exista amor, ele desvaneceu...mas a dor ficou lá, não sei explicar o porque, ou melhor até o sei, mas isto é coisa minha.

Arrumando meu quarto eu acabei por encontrar alguns cadernos com sentimentos da época, e a ferida abriu mais...nem sabia que isto era possível...oh meu Deus porque minhas mãos tremem tanto?


"Nunca entendi bem o amor, quando era pequena o via nos filmes, nas músicas...mas não o via na vida real.

Isto porque achava que o amor não tinha fim, como nos filmes, sempre com um final feliz, a realidade não era assim.

E fui crescendo, tentando compreender este sentimento, desejando sempre uma historia com "e foram felizes para sempre"...logo eu que nunca gostei de contos de fadas...

Foi então que o amor bateu na minha porta, eu o abracei, o deitei no meu colo, lhe contei historias de ninar...

Cuidei dele como se fosse a jóia mais preciosa do mundo, o coloquei numa redoma de vidro, criei regras, fiz mandingas para o proteger da inveja daqueles que não tinham um amor.

Mas mesmo, e talvez por, com todos estes cuidados, não me foi concedido o tal final feliz.

Continuo a não compreender o amor..."

05/06/07


Uma vez me disseram que nem todas as canções de amor são escritas a pensar em alguém, nunca pensei que um dia iria sofrer por saber que algumas são.

sábado, 11 de abril de 2009

Jezabel e o Santo


Jezabel, que nasceu Maria, é uma daquelas mulheres que nasceram com "o cu virado para o sol", no seu caso, para o sol de 40º do Rio de Janeiro.

Desde cedo o seu destino fora traçado por seu pai, um pastor evangélico, daqueles que carregam a bíblia debaixo do braço e a hipocrisia na ponta da língua, que a chamava de Jezabel, que nasceu Maria, e dizia que ela seria Messalina como a mãe, uma pobre coitada que sofria com as infidelidades e o machismo do marido.

Deus na sua profunda sabedoria, não permitiu que o sofrimento de sua mãe durasse uma eternidade, e a levou ainda em tenra idade, e Jezabel, que nasceu Maria, jurou no seu leito de morte, que por ela iria para a capital, e que casaria com um homem fiel e romântico como os príncipes dos contos que elas liam as escondidas do pai/marido opressor.

Maria, que virou Jezabel, cresceu, mudou-se para a capital, formou-se em Línguas Estrangeiras, e conseguiu uma vaga numa multinacional como secretaria executiva de um dos grandes ban ban bans da área.

Não demorou muito para que Maria, descobrisse que os príncipes dos contos de sua mãe, estavam apenas ali, nos contos...

Maria não era necessariamente bonita, possuía uma beleza misteriosa como a de Sarah Jessica Parker, e não havia nenhum homem que a deixasse passar despercebida, como também não havia nenhum que não se aproveitasse da sua inocência de menina moça.

E foi numa das milésimas noites que seu chefe surgiu com um trabalho inesperado, como faixada para as suas ignóbeis intenções, que Maria virou Jezabel.

Cansada por ter passado a noite inteira a tirar as mãos de mais um opressor machista e hipócrita do seu cu, já torrado pelo o sol, Jezabel foi parar numa mesa de bar, acompanhada de uma dose de Cuba libre, adorava mais o nome do que o sabor desta bebida, de sonhos e promessas destruídas.

Em outra mesa estava sentado um príncipe de gestos delicados, que não tirava os olhos de Jezabel, que até então ainda era Maria.

Depois de uma aproximação minuciosa, e uma conversa sedutora, Maria deixou-se envolver, e acabou enrolada nos lençóis de um barato motel com o seu príncipe do bar.

2hs de prazer depois, Maria, que vomitava romance, e marcha nupcial por todos os poros de seu corpo, olhava apaixonada para a sua nova descoberta de que afinal não são todos os homens que são porcos, nojentos e infiéis, quando o seu recém "amor pra vida inteira", levantou-se, começou a se vestir e tirou da carteira uma nota de 50 reais que pousou delicadamente em cima do criado-mudo.

Maria com um ar assustado perguntou-lhe para o que era aquilo, com toda a delicadeza do mundo, ele lhe respondeu que era o pagamento por toda a paixão que ela lhe oferecera.

"Eu não sou uma puta!!!!", gritou Maria.

A resposta veio acompanhada com uma sarcástica gargalhada.

"Meu bem, se não é, leva muito jeito para isso, deveria começar a pensar em mudar de profissão."

Respondeu o seu mais novo opressor, encaminhando-se para a porta, deixando para trás uma Maria de olhos lacrimejados, e face vermelha de vergonha.

Foi assim que mais uma vez um homem traçou o seu destino.

Alguns anos depois, Maria, que desde aquela noite tornara-se Jezabel, era uma prostituta que nas horas vagas trabalhava como tradutora da mesma multinacional importante.

Jezabel, descobrira naquela noite, que já que não tinha o poder de mudar a alma dos homens, ao menos tiraria proveito da sua podridão, nenhum outro homem a tocaria, sem lhe dar algo, neste caso dinheiro, em troca, desta forma ela sempre teria o controle, e se manteria pura.

O seu corpo havia transformado-se num templo para o pecado, os homens rastejavam aos pés de Jezabel, prometiam-lhe jóias, casamentos, e felicidade, mas deles ela só queria uma coisa, humilhação, Jezabel/Maria, queria humilhar todos os seres da raça masculina.

Numa comum tarde de inverno, quando ela foi alimentar o seu maior vicio, todas as suas convicções foram abaladas.
Jezabel era viciada em tatuagens, alguns anos atrás havia conhecido uma tatuadora que tinha o dom das linhas perfeitas, só deixava uma mulher tocar no seu corpo sem pagar, e mesmo assim para fins que não fossem sexuais, por isso a confusão formou-se quando se deparou com um homem no lugar da sua fiel artista.

E foi então, que uma Jezabel conheceu um Santo budista.

Um tango para dois

Palavras não constroem um amor, gestos sim...
O amor não é uma via de mão única, onde você segue sozinho, o amor, como o tango, só se vive a dois, porque quando o contrário acontece você mergulha num mar de angustia e desespero.
O amor não se mantém com imagens e vozes, mas com toques e respirações ofegantes.
Ser dois é muito mais complicado que ser apenas...um...(?), duas mentes a funcionar juntas as vezes simplesmente...não funcionam...
Seguir os extintos não seria demasiado animalesco?
Não se solidifica um amor baseado numa mentira, quando ele é a mais pura das verdades.
Como Alice, eu sigo atrás do coelho com a esperança de ver algo que me emocione, que me transforme, que traga luz para a escuridão.
E será o amor o verdadeiro "país das maravilhas"?
Dançar...simplesmente dançar...sem compasso, sem molejo, sem contagens dos passos, dois seres a dançar no espaço com a música da vida, bailar e bailar...
Nunca fui uma boa dançarina, mas já não tenho medo de aprender.