
Cai com tanta força que as minhas asas partiram-se, andei trôpega como um bêbado, não, como um jovem soldado que vai para a guerra com a vontade de mudar o mundo, e fica preso numa emboscada, a ver os seus amigos a serem desfeitos por bombas e tiros de metralhadoras, e quando se dá conta ele também está ferido, amputado, a faltar um pedaço, mas na verdade aquele pedaço já o deixou de pertencer no momento que decidiu ir para guerra.
Olhei para as minhas asas, em cada tentativa de as mexer o meu corpo respondia com uma dor alucinante, toda eu estava dormente, minhas mãos formigavam, não conseguia enxergar, tinha uma névoa branca a tapar-me a visão.
Tentava lembrar porque havia caído, e da onde, mas não conseguia recordar de nada, a ultima coisa que tinha na cabeça era o momento que acordei, sem saber quem eu era, sem saber onde estava, sem saber porque tinha asas.
Nem sabia se era normal ou não ter asas, mas uma vozinha dentro de mim dizia que eu era diferente, diferente de que? de quem? eu não lembrava de nada, e nem conseguia ver nada, nem sabia como era a aparência da minha face.
Pouco a pouco a minha visão foi ficando mais nítida, estava no deserto, olhei para trás e deslumbrei uma enorme montanha, "foi dali que cai, mas se eu tenho asas, porque não voei?", olhei para as minhas mãos, estavam vazias, "onde está?", "Onde está o que?", eram apenas fragmentos, mas viam e iam tão rápido que o meu corpo ficou tonto. Tentei levantar-me, não eram só as asas que estavam partidas, uma das minhas pernas também, não consegui, fiquei ali estendida no meio da areia do deserto, com a certeza que ou morreria de fome, ou de sede, ou dos meus ferimentos, ou de todos eles juntos.
Algo dentro de mim, dizia que se eu lembrasse que eu era, o que fui fazer ali, e porque não voei quando cai da montanha, estaria salva.
Fechei os olhos, o que foi agradável pois o sol estava a dar-me dor de cabeça, concentrei-me, não conseguia ver nada, era como se a minha mente fosse um filme sendo rebobinado, via as imagens a passar tão rápido que não conseguia acompanhar o enredo.
Quando voltei a abrir os olhos o sol já tinha ido embora, no seu lugar estava a lua e milhares de estrelas, dei um nome a cada estrela que estava no céu, e cada nome que aparecia na minha cabeça dava-me um sensação de déjà vu, foi então que surgiu o nome... Ella, o meu nome, mas estava partido, assim como as minhas asas, assim como a minha perna, faltava um pedaço...
O meu longo cabelo encarnado misturava-se com a areia, e cobria o meu corpo desnudo, "porque estou nua?", "sempre estiveste nua...", "quem respondeu? quem és?", "não te lembras de mim? é pior do que pensava...", "onde estas? eu não estou a ver-te...", "isso minha menina porque estás a olhar de fora para dentro, quando deveria olhar de dentro para fora, as estrelas, a lua, o deserto... quem tu julgas que és?".
Não consegui responder a voz, não sabia quem eu era, a única coisa que lembrava é chamava-me Ella, e na verdade nem tinha certeza que esse era meu nome, tinha a sensação de que a voz é que chamava-me assim... Olhar de "dentro para fora..."
O que ela quis dizer com isso... Mexi as minhas asas, e o meu corpo não respondeu com dor, "estranho...", tentei levantar-me, e desta vez consegui, os meus cabelos tapavam-me o corpo como se fosse um lençol de seda, "vermelho...", até isso parecia ter sido resultado da vontade da voz...
Caminhei, os meus pés descalços pisavam a areia... "espera! cadê a areia?eu já não estou no deserto?", não, não estava, pisava em algo parecido com algodão, eram nuvens...eu não estava a caminhar, estava a voar! "Agora já lembras?", "sim, eu cai porque quis cair, porque a dor era tanta que não encontrei outra solução se não me deixar ir...", "e onde estás agora?", "eu...eu morri...?", "não criança tonta, achas que eu a deixava ir?", "é claro que não, tu amas-me...", "não é só isso, tu és parte de mim, assim como eu sou parte de ti, se tu te fores, eu ficarei incompleta...".
Sentei-me no alto de uma nuvem, e olhei para baixo, já lembrava quem era, sabia quem era a voz, e sabia porque sempre estive nua, mas não entendia porque o meu nome estava incompleto... "Porque toda Ella precisa do seu Elle...", respondeu a voz. Sim...foi por isso que cai, eu o perdi..."não te preocupes Ella, vai ficar tudo bem, não é a primeira vez que cais...".
"Mentirosa, sabes que desta vez foi diferente...", "sim, mas a cada queda, ficas mais forte, e essa...respondeu a pergunta que nos fazíamos a tempos...", "sim, chegou a hora não foi?", "exacto menina, chegou a hora...".
A ideia de voltar ao deserto não agradava-me, mas eu e a voz havíamos deixado algo enterrado em cima da montanha, tínhamos de regressar, como o soldado que vence a guerra e volta para os braços dos amados, são e salvo, mas com a alma dilacerada.
Havia chegado a hora...de voltar para casa.
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